A rudeza sempre esteve presente na casa. Dentro, morava nas mata-juntas, feito aranhas, que deixam uma perna exposta pra marcar presença.
La fora, morava onde os porcos e os gatos gritavam, no desespero do instante.
Bradava ou sussurava, sempre ao sabor dos ventos, imprevisíveis, que descortinavam as janelas.
À mesa, uma grande toalha caindo quase ao chão, criava o vácuo, o lugar onde se permitia a fuga. 
Nem bondade nem maldade: apenas o dia a dia crônico e exaustivo das pessoas que ali viviam. O enfado vivia nos suspiros que se ouvia entre as palavras.
Rusticas, as palavras jogadas contra as paredes.
Rusticos, o silencio e as falas.
Rusticos, o passado, o presente e o futuro.
-fls-

Agoniza em seu leito
De parto
Dói-lhe o filho não nascido
Cheio de urgencias
Esse quarto vazio
La fora
Os brincos-de-princesa
Gotejam
Os olhos, já secos
Vivem às cegas
Com vistas pro passado
Sobre
Viver
É a demanda da alma
-fls-

éramos muitos; éramos nós e o que inventávamos para nós; éramos tantos... os dias passavam sem compromissos nos levando sempre às pernas do avô que nos contava histórias pra dormir; jamais dormir sem aquele afago...o mundo ainda não era grande e nele cabia todos nossos desejos; assim como na cama cabíamos todos bem juntinhos; subir nas árvores, colher frutas, escondermo-nos atrás dos pés de jabuticabas pretas e enormes, e ali adoçar a vida enquanto esperávamos...os gatos pela casa, os pássaros lá fora, os cães dos quais esqueci os nomes; laranja, mixirica, melancia, goiaba, araçá, carambola, mandioca, arroz pra socar no pilão, a roupa pra lavar perto do poço, o saci à espreita, o tum tum do coração...mas o mundo cresceu; e alguém se foi; e depois mais um; muita dor, muita saudade; e num mundo tão grande os sonhos ficam tão pequenos...e nós também crescemos, e ficamos tão diferentes, já nem nos reconhecemos; e eu pendurei a saudade num alto pé de laranja lima; eu fico embaixo, o avô me joga as laranjas...e saio daquele mundo, e compro um pé de medo, que não dá frutos mas não morre; só algumas pessoas morrem, e levam pedaços de mim; algumas eu mesma mato, e carrego os cadáveres que volta e meia vêm pro meu quintal dançar em frente aos meus olhos; e hoje a vida acontece em volta de memórias e parece que nada mais há por vir; o futuro ficou lá atras.
-fls-

beijo-lhe a fronte amor
na saliva o gosto amargo do adeus
no suspiro o tom irremediável da saudade
silêncio... é hora de arrumar os dias
guardar as horas de inverdades
velar a esperança nesta noite fria
a confiança é morta amor, segredos
já não piso as nuvens sem medo
-fls-

Agoniza em seu leito
De parto
Dói-lhe o filho não nascido
Cheio de urgencias
Esse quarto vazio
La fora
Os brincos-de-princesa
Gotejam
Os olhos, já secos
Vivem às cegas
Com vistas pro passado
Sobre
Viver
É a demanda da alma
-fls-