segunda-feira, 28 de setembro de 2015





Ave mulher
cheia de dor
a graça é convosco
bendita sois vós
entre os pecados
que comete amando
seu ventre é abrigo
sois luz

Lasciva mullher
mãe dos desejos
calados no peito
colados na carne
no céu das paixões
ou no inferno de Dante
não fremais
-fls-








 imagem: fotografia de Samuel Aranda, vencedor da edição de 2011 do World Press Photo .

segunda-feira, 31 de agosto de 2015









Há neblina nas ruas frias da noite. Respiro o ar do chão em que acomoda suas raízes. Sou estrangeira pedindo abrigo; não me acolhes.


Abro os braços mas só me abraça a solidão que as horas trazem. 

A cidade é um parque com um imenso carrossel girando com almas vazias, soturnas.

Subo na roda, gigante; páro bem perto das nuvens, e trêmula jogo meu sorriso e meu medo

pra cima de ti; foges pro trem fantasma e viro poeira no teu pensamento.

- fls-

segunda-feira, 10 de agosto de 2015







nosso amor no infinitivo
eu, gerúndio
você, particípio
nosso amor
pretérito imperfeito,
mais que perfeito
-fls-






morreu por sufocação
esperando de peito aberto
pelo ar daquela graça
-fls-


ele tinha os olhos compridos. namorava as possibilidades deixando à mercê o preciso.
muitos sonhos na cabeça, andava leve com seu corpo pequeno e magro; levitava.
à sua volta, medo: constante e perturbador envolto em silêncio.
ela tinha o olhar disperso. capturava as imagens e os fatos dos dias com melancolia: desejava! desejava encontrá-lo nos outros que passavam .
ele desistiu, saiu sem dizer adeus e deixou o chão lameado de sangue e culpa.
acusou sua dor sem dó nem piedade aos que ficaram.
ela jogou terra em sua face, no fundo daquela funda cova cavada com ausências.
e dentro de si abriu-se um enorme espaço vazio que nenhum abraço jamais conseguiria fechar.
-fls-

quarta-feira, 3 de junho de 2015












É nesses dias em que o vento sopra tão delicadamente nas folhas que se abre uma fresta no peito da gente, por onde pode adentrar a esperança e reposicionar alguns conflitos, silenciar alguns gritos. Nesses dias a vida apenas segue e o tempo é uno, não há passado, presente e futuro a dividi-lo; há um só tempo e é o de viver com fé.
-fls-
E num flagrante de realidade seu coração bate asas , reproduzindo o som inequívoco de abrir e fechar das válvulas de escape .
A turbulência em que se inserem todas as emoções - (m) doídas - pressiona o pulmão que agora libera um ar sufocado.
Pensa que viver deveria ser apenas manter os órgãos funcionando num compasso rítmico, assim como parece ser o fluir das coisas na Natureza.
Mas não, já descobrira que é preciso também relações fotossintéticas - lá e cá - pra absorver e distribuir a luz que entra e sai pelos poros amorosos; sabe que a energia vital depende do quanto o solo está encharcado de sofrência : - se raso, brilho no cerne dos olhos; se cheio, gota d'água que transborda.

-fls-

domingo, 24 de maio de 2015





ocultos,
as palavras e os sentimentos
um culto ao silêncio

barulho,
de dentro
mentiras arrastadas
feito fantasmas num templo


sagrado,
pisoteado por sandálias sujas
num lamaçal de verdades

incrustada nas paredes
da pele que arde
a dor, fatigada, dorme

-fls-

terça-feira, 5 de maio de 2015










a fantasia que usas já não me serve
estrangulo as palavras pra não rasgá-la
a transparência o deixa nu
e o que avisto é alma maculada
é veste já tão sem brilho
espartilho
alambrando meu coração

-fls-








de tristeza em tristeza
às margens do rio de lágrimas
brotou um pé de chorão

-fls-









E só agora as lagrimas me vêm... Como se cumprissem um ritual, numa ordem de fatores que não se pode mudar: primeiro a agulhada da dor, depois seu sabor, salgado e corrente.
Sua voz já era lenta e seus passos fracos, e nesse movimento já se anunciava sua partida, e nem desejando muito poderíamos parar o tempo para abreviar esse adeus. A fragilidade que nos acometia em sua presença comandava o instante ao lado seu fazendo compasso com sua respiração sôfrega.
Não se pode viver impunemente, e essa é nossa tragédia diária.
Os adeuses nos colocam frente a frente com a fatalidade de ter que, um dia, fechar os olhos e não mais imaginar o amanhã.
-fls-

sexta-feira, 10 de abril de 2015






O encanto teve um avc
estatelou-se no chão


jaz em minúsculos cacos
de coração partido
Já não há pressa
Já não há tempo
O cimento do semblante secou
durante a construção do poema
O marca-passo agora marca
o passo do descompasso
Rompeu-se o fio
do que estava por um fio
-fls-

domingo, 15 de fevereiro de 2015





o mar lhe chamava; era um grito forte que lhe entrava pelos olhos, misturado à visão imaginária das ondas batendo umas nas outras, assim como a areia se mistura à pele tornando-se parte do tecido lameado de desejos que eriçam os pêlos
o mar sempre significara possibilidades; estava para ela tal qual as palavras, um abridor de sonhos, um caminho, um mundo; um outro mundo, onde podia se imaginar a mesma, com outras vivências, circunstâncias outras
viver poderia ser tão diferente, mesmo quando tudo continuasse igual

-fls-