segunda-feira, 1 de dezembro de 2014





Naquela tarde seu corpo não avisou, o alarme já era falho.
Seus braços qual galhos quebrados, sustentados por uma força de vontade.
A cabeça numa comparação à pressão craniana da romã, parecia rachar tal qual a fruta arrombada suportando mais do que lhe cabe.
Seu aparato físico, todo, sustentado por um pilar de gesso trincado.
Falanges trêmulas e frágeis, feito ramos finos que o vento balança onde pássaros não pousam.
A passos lentos tenta arrancar as raízes do chão em que se espalharam, fazendo seu corpo-estátua paisagem do lugar.
Seus ombros-cabides,feito Atlas, fartos de carregar o mundo e sua fantasia de Hércules.
Músculos surtados, como tecidos rasgados impõem a falência de um sistema grávido de muita dor.












jogas a água benta na Pia
esfregando em minha testa
o rol de sacrifícios que me exiges
teu credo, tua liturgia
-fls-



E é quando sais que percebo o peso da tua cruz nos meus ombros
O teu calvário me arranca a pele rasgada pelo esforço de continuares caminhando
És o espinho que se finca em minha cabeça tornando meu esforço hercúleo...sou teus acúleos
Teu sacrifício é o pão da minha vida
Mas o pão da vida é feito da morte
A morte lenta e dolorosa de quem se põe a rastejar sôfrego e incerto
O amor crucificado é a pena de morte; a última tentação passa perto, seu corte é preciso
Iremos até o fim, honraremos as juras, e o sangue não jorrará de meus pulsos; o pecado está nas promessas e pecadores as cumpriremos, todas

-fls-

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

nascida no interior a menina carregava sonhos de interior.
subir em árvores, chupar laranjas no pé, colher melancia fresca, bonecas de milho; preferencialmente as ruivas, porque lhe remetiam a si, e era a si que desejava reverenciar, referenciar; carecia de importância.
só, ousava romper com as normas da casa fugindo em busca de cheiro e suor.
arteira, ousava romper com as normas sociais espiando o vizinho tomar banho pelas frestas do banheiro "casinha" sem matajuntas.
atrevia-se também a usar vestidos muito curtos, com o propósito apenas de contrariar quem lhe acusava as pernas finas.
mas a rebelde era doce... certa vez questionada na rua se era menino ou menina, devido à sua magreza e aos cabelos arrebatados por um barbeiro sem coração que quase lhe decepa também os delírios ,respondeu apenas: -menina.
carregou a dor na garganta até chegar em casa e lavar os lençóis no tanque árido de cimento bruto.
mais tarde alguém lhe diria que sua única beleza estava na voz, pois então, calou-se.
voltou a falar quando não mais lhe arranhava a IN-delicadeza dos mortais, já que Dionísio, o semideus grego lhe convidara à divindade com um piscar de olhos...
a menina nem cresceu... apenas deixou lá atrás pendurados no varal comprido que se erguia com forquilha de árvore seus passos medrosos, seus espaços vazios, seus traços corados...
não deixou tudo, carregou um tantinho de cada, e assim caminha passos apenas cautelosos, habita espaços sem multidão, e só cora quando a alma chora...
-fls-


imagem da internet








uma areia fina e branca lhe cega
a poeira que se levanta com o sopro do vento esfola e os vales na pele sangram
os olhos já não vão longe, mora no infinito uma escuridão gélida e muda
seu corpo, árvore aquática, habita um deserto
-fls-



sexta-feira, 17 de outubro de 2014




não deixe para abraçar amanhã
o sopro do adeus não se atrasa
-fls-





Antes nunca havia se perdido no caminho. Havia muitos atrasos, mas todos na hora exata.
Recostado numa poltrona de encosto alto seu riso era lento e baixo e não havia pressa no seu olhar.
A lembrança da presença pacífica agora chora; o nunca mais é uma bala perdida atravessando o tempo. Um dia a despedida já me pertencera e ao abrir os olhos vi seu rosto e reconheci sua voz. Que som você ouve agora? Quem vai pegar sua mão e lhe dizer que ao final tudo acaba bem?
Eu tomo uma cerveja por você, mas não estou na praia. Seu cachorro lhe espera. Precisa arrumar o televisor que desmontou.
Há tanto ainda por fazer...Você está atrasado, não nos deixe esperar mais.
Acorde Ari, não é mais hora de chegar, você já pode voar, é dia de partir.
-fls-





foto: obra de Chris Maynard



Árida, estilhaçada
a terra dói.
Ávida, espera o lacrimejar do céu.
Pisando o chão ardente as gentes compreendem
que disparates as guerras, combates de vaidades;
as discussões, fracassos das palavras;
as mentiras, alucinações das almas;
o poder, chicote da integridade...
Não sabemos engravidar as nuvens! Eis a dilacerante falha humana!
Agora, resta erguer as mãos em louvor suplicando a graça
da água benta aspergindo a estiagem que nos põe humildes, de joelhos.
-fls-

foto:internet

quarta-feira, 17 de setembro de 2014














olhou fundo nos olhos do outro...

disse-lhe tantas mentiras


que o espelho quebrou!


-fls-











estes olhos, donos de uma profundeza vaginal;

quando os encaro, assim, delirando,

apertando-me contra os travesseiros, me toma


 um desejo

de que um só dos teus olhares me penetre...


-fls-

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

   



E foi num dia assim que decidira partir.
Apenas mais um dia em meio aos dias conturbados do dia-a-dia.
Mas o escolhera para ser o último dos seus. Nenhuma promessa feita, nenhuma oração, nenhum telefonema, alguns pedidos num pedaço amassado de papel.
Resolvera deixar aos outros o susto, a indignação, a dor e a saudade.
Compreendera que podia manipular o tempo. Sabia naquele momento, que a vida não, mas a morte podia ser premeditada.
-fls-

Havia tanto abandono em seu caminho que as permanências lhe enchiam de medo. Seu solo não estava preparado para tantas raízes.
À noite seus pesadelos eram sempre sobre os que se foram.
E seus olhos passavam o dia procurando a quem seduzir, pilares fixos pra encostar seu vazio. Acabara por gostar dessa busca, um frênesi que girava a corda do seu espírito fatídico.
Sabia de alguma forma que tudo que amasse perderia. E amava pra perder. Perder era a receita pra uma nova busca. E amava andar sobre cordas-bambas por arrebentar, sobre fios frágeis prestes a lhe derrubar.
Cair era o álibi pra se reerguer, sempre, e tão periodicamente que virasse rotina, que a mantivesse viva.
A vida estava numa rotina de sevícia para a alma.
-fls-

segunda-feira, 1 de setembro de 2014









o calor no corpo , fogo
não queria habitar seu pensamento
queria instalar-se em sua pele, bactéria
o remédio trazia em seus dedos
ávidos por curar a febre do desejo
manter a temperatura, alta
nos olhos, sede
na boca, fome
nas mãos, toques
do prazer que cura
-fls-







perdeu-a num jogo
um jogo de palavras faltantes
sal
ti
tan
tes
pulando no abismo
de sua (N)mudez.
-fls-















flertei com Sofia

Sônia foi embora


levando o abraço de Morfeu


-fls-








O coração sempre se antecipa
à outra parte de mim
sai na frente
deixando um espaço sem aderência
Ali, no oco, é que existo
na ninha (IN)permanência
-fls-










Os lábios secos, ansiosos
buscavam saliva fresca no outro
Nas línguas nervosas
palavras de adeus
Olhos úmidos, sal nas bocas
a sede era de tempo

De um tempo que parasse
e feito espuma amortecesse
o choque entre suas peles, seus pêlos
E era espuma igual à do mar
que afogava tanto desejo
-fls-


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

quinta-feira, 14 de agosto de 2014








-furacão, tsunami, vulcão, terremoto, chuva, seca, tornado...dentro de mim as intempéries se definem, se ambientam, ganham o reconhecimento que merecem-
-fls-



ali estava
hábito puríssimo
vinte mistérios
roçando seus dedos
olhos baixos
postos na cruz
seduzindo jesus
-fls-

domingo, 10 de agosto de 2014

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Brincava nos trilhos do trem como se fossem cordas suspensas.Seus pés, pequenos e pálidos,um logo atrás do calcanhar do outro, iam desenhando a linha imaginária que separava o real do inventado. Reais as pedrinhas que faiscavam quando o trem passava com seus vagões infindáveis. Na solidão que enchia a cena, cada vagão levava um sonho. Um vagão para cada lugar do mundo, ou para qualquer lugar. Onde houvesse um trem que carregasse alegria, iria.

Na sua parada em cada estação não comprava bilhete de volta. Sua viagem era interminável, assim como os vagões do trem de todo dia.
E nessa estrada de ferro, era sempre acordada por uma buzina que queimava os ouvidos; mas o que mais queimava eram as lágrimas causadas pelo despertar de tão fantástica viagem ao mundo das delícias que inventava. Neste mundo criado à perfeição não havia solidão, medo, silencio, barulho; havia apenas vida, uma vida num contexto de amor talhada por seus olhos fitando o trem que sumia distante...
De todas as belezas humanas,a mais bela é o amor.Amor que rima com dor, com ardor ,calor,furor,odor,cor,valor,desamor,amargor.Amor que confia,amor que trai.Amor que enlouquece,amor que cura.Amor que se traduz em sorrisos;em lágrimas.Em palavras,em silêncio.Em olhares,em solidão.Amor que faz saudade.Amor que quer,amor que renega.Do amor nunca se diz tudo,por amor tudo se faz.No amor não cabe a medida do certo e do errado,do bem e do mal.De todas as certezas humanas,a mais certa é o amor.




Saudade às vezes chega no ato, fica rondando a despedida; vira-se as costas e ela se instala, confortável. Sente-se bem, confiante, toma conta do espaço. Machuca fininho, como corte de papel; arde mas não dói. Nesta saudade boa, a certeza do amanhã.
A que machuca fundo é a que, traiçoeira, nos abandona no adeus. Dá lugar à mágoa, ao desamor, ao ressentimento. E, tempos depois, sorrateira, vai trazendo suas vestes, fica um dia, noutro não, até que, quando se vê, ali está: estabelecida e constante. Mesmo rejeitada, não sai.
Não adianta negá-la, torna-se parte do todo. E não é monótona, varia sua performance, nos seduz até.
E,assim, ludibriados, carregamos esta saudade do nunca mais, pendurada numa argola do passado, e, vez em quando, a convidamos para ajudar a escorrer algumas lágrimas...






'Surpreendentemente minhas mãos não alcançam as suas...Elas estão tão perto,alvas e longas mãos apossadas d'uma poesia dançante que se move no ar...
Eu estou tão perto,posso respirar o ar que sai do seu peito,posso me aquecer com o calor dos seus olhos...
Mas você, tão longe...É preciso um vôo muito alto,é preciso mais que um vôo,é preciso transpor.Atravessar essa sua falsa serenidade,penetrar o âmago,invadir e vencer a guerra contra seu fatídico Não.
Tres passos,é tudo que preciso andar para tocar o pulsar do seu peito,furar com a ponta dos dedos essa bolha que contém a palavra que foi dita;e a palavra é Não.Surpreendentemente,quero apenas estar perto.
Recuso-me a aceitar sua sentença,não quero voar para nenhum outro lugar,quero apenas surpreender seu corpo com minhas mãos,respirar o ar que sai da sua boca,beijar seus olhos...'





PAI

Eu lhe perdoo se um dia vc olhou para o céu e não viu estrelas,se um dia vc olhou para a frente e não viu o futuro,se um dia vc olhou no espelho e não se viu...
Eu lhe perdoo se de repente a vida ficou tão opaca,se o arco íris ficou cinza,se os lábios não conseguiram mais sorrir...
Sim, eu perdoo,pq o tempo trouxe a minha precisão de ser perdoada,o tempo traz para todos os mesmos erros, as mesmas faltas...só muda o contexto e a forma.
Eu lhe perdoo por aquele silencio de adeus,eu lhe perdoo por aquelas palavras de medo,pelo que não me deu e pelo que me deixou,eu lhe perdoo por não ter sido um herói.
Quem precisa de heróis? Eles são falsos,eles choram escondidos...




quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Uma invasão de saudades antecipadas
mesclando-se aos adeuses já passados,
surfando na superfície dos meus pêlos eriçados
como folhas na superfície de ondas do mar,
encharca as horas que tenho a navegar
com ausências presentes e presenças cultivadas. 
_fls-

domingo, 3 de agosto de 2014

quinta-feira, 10 de julho de 2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014






Me habita um rio. As margens talvez um tanto secas, mas no meio, onde as águas são pesadas, transborda. Transborda para dentro , para o âmago, indo encharcar toda realidade que o contém e que esconde no fundo. Ora cachoeira, ora um fio dágua em meio à escuridão dessa selva que o guarda e o assusta. Rio quer correr, rio quer desaguar, rio precisa receber a benção das chuvas para renascer todo dia, senão morre de sede.
-fls-


quarta-feira, 2 de julho de 2014

anoitecera resolvida
escalara todos os pesadelos
arremessou-se do último medo

          ra

         a

      vo
  

já nenhum temor
poderia alcança-la

-fls-

segunda-feira, 30 de junho de 2014










            quando escrevo

               

             inscrevo-me


             no todo fora de mim


                 -fls-







domingo, 29 de junho de 2014

eu te aninhava em meus ofegantes braços
e tua respiração abraçava meu medo
tua partida, iminente, arranhando a garganta
o adeus desatando nossos abraços
voaste...e agora a saudade é um brinquedo
com o qual sufoco esse desenredo
-fls-

teu deserto consistente, ventos gélidos

farelos de cimento seco e cinza


meu tormento cálido


-fls-

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Palavras podem ferir e matar
assim feito facas, pistolas ou fuzis
nos atingindo com vigor e velozmente...
Silêncio também.
Só que esse, muito mais cruelmente
nos ferirá fundo e devagar, feito harakiri.
-fls-

quarta-feira, 18 de junho de 2014

dizer adeus

verbalizar a ausência


liquefazer-se em saudade


-fls-
seus olhos não choravam e não sorriam
eu não podia entender
por que amanhecera aquele dia
tão cruel com você

foi uma maldade tão sutil
velar seu corpo interdito
eu procurava seu assovio
e só encontrava meu grito

ainda queima aquela lágrima
escorrida peito abaixo
como sumo de melancia
lambuzando nossos abraços

nosso mundo chorou; o céu, o chão, a tarde
molhando o futuro com medo
levando-te de mim com seus segredos
encharcando a vida de saudade

-fls-

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Engolir as mentiras oferecidas em taça de estanho
Olhar pra trás e virar pedra, habitante de Sodoma
Sob as lavas de um vulcão de farsas, fogo e lama
E sob o gelo de um olhar agora estranho
Na garganta as palavras feito barbantes
Aninhadas e enroscadas na epiglote
Talvez, como pena, escolhesse a morte
A esse prato de verdades nauseantes
-fls-
tento salvar meu coração guardando-o nesse silêncio ácido
costurei um sorriso nos meus olhos mas não posso vê-lo
desalinhavo saudade
espremo as horas
tento salvar meu corpo guardando-o num suspiro ávido
desagüei tantas lágrimas no meu rosto mas não posso bebê-las
estanco os desejos
crio metáforas
-fls-

quinta-feira, 5 de junho de 2014

eu me perco nessas ruas que compõem o meu mapa
por elas circulam pessoas tantas
algumas eu encontro nos cruzamentos, sempre ou de repente
outras ficarão pra sempre nas paralelas
mas meu peito anseia por encontrar todas elas
caminho atenta procurando os rostos
mas na multidão eu os desconheço
pesa-me carrega-los, todos, ladeira acima, ladeira abaixo
no coração que luta ansiado pra alcançar seus apreços
o amor é um peso mórbido
que nos atinge nos meios-fios distraídos
das esquinas onde a razão se perde
e nos coloca frente ao medo, combalidos

-fls-


e o silêncio do outro lado do fio
que liga as artérias, minha e sua
infarta a esperança
e intumesce a saudade
o tempo e sua brevidade
corta a batida do marca passo

ofuscando até o brilho da lua


-fls-

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Os Elefantes Choram



subo no cadafalso
não olho para os lados
engulo a dor seca da perda
além das palavras, falsas
havia a corda no seu bolso
morri naquele coração
-fls-